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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A SOCIEDADE VOLUNTÁRIA: II - A justiça natural



::txt::Eric P. Duarte::

II - A justiça natural

A teoria da justiça natural afirma que a justiça é um princípio absoluto e inerente à natureza humana, podendo assim ser investigada através da lógica e da razão tanto quanto qualquer outro princípio existente. A justiça pretende determinar quais ações humanas são legítimas e quais são ilegítimas.

Os relativistas alegam que a justiça é subjetiva, pois cada um tem um conceito diferente dela. Mas o fato de cada um ter uma opinião diferente sobre determinado assunto não o torna necessariamente subjetivo. Antigamente cada povo tinha uma crença diferente sobre as causas das chuvas, mas isso não as tornou subjetivas.

Se não existisse tal justiça absoluta, não poderia haver nada que pudéssemos chamar de injusto. Não faria sentido algum falar que um ato de estupro é ilegítimo e injusto por natureza. Todos os massacres, as torturas, os seqüestros, os assassinatos e quaisquer outras atrocidades já cometidas pelo ser humano ao longo da história, seriam apenas eventos aleatórios e não poderiam ser julgados objetivamente.

Os religiosos alegam que de fato existe uma justiça absoluta, mas esta deveria ser encontrada nos escritos supostamente “divinos” de sua própria religião e não através da razão humana. Mas como saber em qual das milhares de religiões inconsistentes e incompatíveis entre si nós deveríamos crer?

Se a justiça faz parte da natureza humana, assim como a força da gravidade faz parte da natureza dos astros, nós não precisamos cair nas inconsistências do misticismo e nem do relativismo ético. Somente a razão pode explicar a realidade.

Se a justiça é um princípio natural que diz respeito à natureza humana, ela deve ser igualmente válida para todos os seres humanos e em qualquer momento histórico ou circunstância que envolva o ser humano. As leis da física, por exemplo, são universais e não se alteram com o nível de complexidade do caso analisado. Peguemos então o exemplo de Robinson Crusoé sozinho em sua ilha, para que assim possamos analisar o ser humano em sua ocorrência mais simples possível.

Sozinho em sua ilha, Crusoé tem o controle exclusivo do próprio corpo e daqueles recursos naturais que ele se apropria. Estando na condição de animal racional e não sendo dotado de instintos automáticos tais como os outros animais, Crusoé precisa de fato controlar o próprio corpo e mente para aprender sobre mundo à sua volta. Além disso, ele não é uma entidade auto-suficiente, portanto ele precisa também controlar outros recursos (comida, ferramentas, abrigo, etc...) além de seu próprio corpo para poder sobreviver e prosperar.

Controlar o próprio corpo e se apropriar de recursos naturais é o único meio pelo qual Crusoé pode sobreviver e prosperar. Podemos dizer então que Crusoé é naturalmente o dono do próprio corpo e daqueles recursos naturais que ele coloca em uso por intermédio de seu corpo.

Analisemos agora o segundo caso mais simples de ocorrência humana, colocando uma segunda pessoa, Sexta-Feira, na ilha. Para que a condição da universalidade seja satisfeita, devemos dar a Sexta-Feira os mesmos direitos de Crusoé encontrados na análise anterior. Desta forma, Sexta-Feira também deve ser o dono do próprio corpo e daqueles recursos apropriados por ele originalmente.

Em nosso intuitivo “código legal”, Sexta-Feira poderia fazer o que quisesse com o próprio corpo e com seus recursos, desde que não invadisse o corpo de Crusoé e os bens apropriados por ele, pois estaria ferindo o direito de propriedade de Crusoé sobre o próprio corpo e sobre os recursos que ele se apropriou originalmente. A mesma condição seria também válida para Crusoé.

Se pensarmos bem, ambos poderiam se beneficiar muito se respeitassem estas regras básicas. Eles poderiam voluntariamente fazer trocas de recursos e criar divisões de tarefas, maximizando assim o bem- estar de ambos. Mas dificilmente ocorreriam tais acordos se, por exemplo, Sexta-Feira chegasse roubando a vara de pescar de Crusoé, ferramenta esta na qual Crusoé havia gasto seu tempo e esforço para construir.

Poderíamos continuar adicionando pessoas na ilha e veríamos que enquanto estes princípios básicos fossem respeitados, haveria paz e prosperidade. Porém, quando eles fossem quebrados, haveria guerra até que a “justiça” fosse restabelecida.

Tendo feito esta breve análise, podemos enunciar a seguinte hipótese de uma fórmula geral da Justiça:

“Todo homem tem, naturalmente, o direito de ser o dono do próprio corpo e daqueles recursos naturais que ele coloca em uso por intermédio de seu corpo”

As implicações desta fórmula são inúmeras, mas algumas são claramente evidentes. Se o homem é o dono – isto é, o proprietário ou aquele que pode exercer o controle – do próprio corpo e daqueles recursos naturais que ele coloca em uso por intermédio de seu corpo (o que significa ser o primeiro a se apropriar diretamente de algo que nunca foi apropriado por mais ninguém), então ele pode fazer o que bem entender com o próprio corpo e com os seus recursos, desde que não inicie o uso ou a ameaça de violência física (agressão/invasão) contra o corpo ou os recursos de outro homem, pois estaria ferindo o direito de propriedade deste outro homem sobre seu próprio corpo e sobre os seus recursos.

O homem é então livre para pegar os seus recursos e criar recursos novos através da produção, criando bens de maior valor. O homem é livre para realizar trocas mutuamente voluntárias de seus bens com os bens de outros homens, mas ele não é livre para roubar. Ele é livre para trocar voluntariamente os seus bens ou o tempo e esforço de seu corpo (trabalho) pelos bens ou pelo trabalho de outros homens, mas ele não é livre para forçar outros homens a servi-lo. Ele é livre para dar voluntariamente os seus bens a outros homens, mas ele não pode obrigar que outros homens dêem os seus bens.

O homem é, portanto, livre para fazer tudo, menos iniciar o uso ou a ameaça de violência física contra outro homem ou contra os bens adquiridos por ele legitimamente. Se definirmos bens legitimamente adquiridos como propriedades e a iniciação de violência ou a ameaça de seu uso como agressão, chegamos a uma segunda fórmula mais simplificada, também chamada de “princípio da não-agressão”:

“Nenhum homem, ou grupo de homens, tem o direito de agredir o corpo ou a propriedade de nenhum outro homem”

É importante frisar que uma agressão só é caracterizada como agressão quando a violência ou a ameaça do seu uso é iniciada. Vamos supor que o indivíduo X roube o relógio do indivíduo Y. Y teria o direito de tomar a força o relógio que está sob a posse de X. Enquanto X teria iniciado a agressão, Y estaria apenas restabelecendo a justiça.

Estas fórmulas são altamente intuitivas. Uma criança, por exemplo, aprende muito cedo que não se deve bater em outras crianças ou pegar à força o que está sob a posse delas, pois, caso contrário, elas irão revidar. De fato, a grande maioria das pessoas já age de acordo com estas regras em suas vidas pessoais, porém a intuição moral não é prova de nada. Existem diferentes formas de se provar estas fórmulas, mas vejamos brevemente a mais famosa delas aqui.

Primeiramente nós devemos lembrar que, sendo a justiça um princípio natural que diz respeito à natureza humana, ela deve ser universalmente e igualmente válida para todos os seres humanos. Tendo sido enunciada a nossa hipótese de uma fórmula geral da Justiça, através da intuição ou de uma simples investigação da natureza humana, podemos tentar negar a sua validade. Ao fazermos isso, nos deparamos com apenas duas possíveis hipóteses. Se cada homem não puder ser o dono do próprio corpo e daqueles bens adquiridos por ele através da apropriação original, da produção ou da troca voluntária, então:

- 1. Certa classe de pessoas, A, deve ter um direito de propriedade sobre os corpos e bens de outra classe de pessoas, B.

- 2. Todos devem ter o direito de possuir uma parcela igual de todas as outras pessoas e bens existentes.

A primeira alternativa claramente implica que a classe A deve ter direitos superiores à classe B, ela implica que a classe A pode explorar e, logo, viver parasiticamente da classe B. Desta forma, esta alternativa não cumpre o critério de universalidade, pré-requisito de qualquer teoria de justiça.

O segundo caso parece cumprir tal condição de universalidade, porém, é lógica e fisicamente impossível. Se todos têm o direito de possuir uma parcela igual de todas as outras pessoas e bens existentes, então nenhum ser humano poderia executar nenhuma ação (nem mesmo utilizar as suas cordas vocais) sem antes ter a aprovação de todos os outros seres humanos. Mas como conseguir tal aprovação de bilhões de pessoas sem poder sequer iniciar qualquer ação? A humanidade iria obviamente se extinguir quase que instantaneamente. Tal alternativa é fisicamente impossível, pois é impossível que todos os homens mantenham registros contínuos sobre todos os outros homens e bens existentes para que assim possam exercer suas propriedades parciais sobre eles. Na prática, o controle dos homens e bens existentes necessariamente recairia sobre um grupo especializado, o qual, deste modo, se tornaria a classe dominante. Assim, de qualquer forma, estaríamos de volta à nossa primeira alternativa.

Temos então que a única alternativa correta é dar ao homem o direito absoluto de se possuir (também chamado de direito de auto-propriedade) e de possuir aqueles bens adquiridos por ele legitimamente (também chamado de direito de propriedade). O respeito a este princípio básico traz a maximização da paz e da prosperidade geral. É claro que existem, sempre existiram e sempre existirão alguns homens que preferem não respeitar tal princípio, por isso os homens pacíficos são livres para se defenderem de tais agressores e se organizarem voluntariamente com tal fim. Quando alguém infringe a justiça natural, é legítimo restabelecê-la.

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