#CADÊ MEU CHINELO?

quarta-feira, 31 de março de 2010

O SUMIÇO DO LUBISCO 1



#agência pirata
Mash up literário

txt: Alexandre Lucchese

O que você vai ler agora é o meu primeiro mash-up de textos, ou seja, um conto composto apenas de colagens de outros textos. É bem comum encontrar na rede mash-ups musicais, mas de textos nunca vi – embora provavelmente eu esteja simplesmente mal informado. É possível que a história de Lubisco continue por vários e vários posts. Ou não. E que João Brasil salve a literatura!

[todos os textos e imagens aqui roubados usam a licença Creative Commons]


NORBERTO LUBISCO, editor da revista, blog e redes sociais ABSURDO, está sumido desde o início do carnaval deste ano. Segundo o capitão Macalé, Norberto foi visto pela última vez tentando escapar dos inimigos ao atravessar o Rio das Almas dirigindo um carro anfíbio. Nem ele, nem o carro jamais foram vistos novamente.

“Estamos certos que nesse tempo manter-se-ão intactas as relações de profunda amizade, respeito profissional e carinho cultivadas entre os integrantes d’O ABSURDO”, afirma a moça de pele escura, aspecto hippie e graciosos gestos de bailarina oriental solidamente construídos nesses onze anos de convivência. E mais: “estive conversando com capitão Macalé e chegamos a seguinte conclusão: DEVEMOS raptar a mulher do Palhaço”.

Palhaço se propôs a renascer deixando pra trás símbolos do passado e passou a investir nos últimos anos na identificação como oposição ferrenha aos sentimentos profundos de apelo universal, da mesma forma que animais e homens parecem possuir atitudes inatas. Palhaço também fez com que Lubisco se desfiliasse para expulsar nesta quarta-feira o governador interino e determinou que todos os cargos de confiança deixassem o governo d’O ABSURDO, na tentativa de se desvincular do desgaste.

“Que foda, horrible!”, dispara a moça de pele escura. Concentrada diante do palco, ela dança e tece evoluções com o auxílio de uma canga.

***

Lubisco foi até a janela e afastou as cortinas de tafetá branco. Ficou quase uma hora apreciando a paisagem e a mudança de tonalidade das folhas das árvores enquanto o sol mudava de posição em sua eterna vigilância das horas.

Não entendia muito de mulheres, pensou ele. Depois da morte da mãe, seu pai não quis se casar novamente e as garotas da escola lhe eram indiferentes. É claro que namorara uma ou outra menina, mas nunca entregou seu coração a nenhuma delas. Pra complicar ainda mais, embora casado com uma bela bailarina russa, suas idéias viraram do avesso: “Por que nos apaixonamos pela pessoa errada?”.

Uma batida na porta freou seus pensamentos.

- Com licença, Lubi – Dr. Love estava bem à vontade de terno bege e gravata cinza – hoje estou extremamente bem-humorado, parece até que acabei de assistir algum daqueles filmes onde os animais falam e sempre tem um cachorro inteligente que salva a turma no final… ahn…

- Dr. Love, a verdade é esta, estamos na merda, e precisamos de uma grande descarga de água para desentupir a nossa atual economia estagnada, e não creio que brincar aos aviões e comboios seja o melhor meio para isso…

- Então por que você se fez de tão misterioso? Todo lugar que eu me encontrava com você, você fugia!

- Eu tinha medo de as suspeitas caírem sobre mim…

- Teve efeito contrário…

- Ok, acho que estou quase desvendando este crime…

Então os dois descem a montanha e se separam.

(continua aqui)


Autores e fontes dos textos aqui mixados:

* Arlei Arnt

* Marcelo Noah

* http://espicacandomarketing.blogspot.com/2009/03/ruina-da-balipodia.html

* Pedro Alexandre Sanches

* Luiza Monteiro

* Wikipedia – verbete “Carl Gustav Jung”

* Chellot

* Marcelo Manzano

* Dr. Love

* http://aquiloqueescrevo.blogspot.com/2005/12/critica-pseudo-revoltada.html

* Mario S. R.

terça-feira, 30 de março de 2010

SUPERGUIDIS




#conection
Uma sinfonia ainda mais AMARGA

txt: Fagner Marques

Uma porra de um soco na boca do estômago. Sempre quis usar essa expressão, mas ela nunca me pareceu sincera o suficiente até escutar o terceiro disco do Guidis. Ou melhor, dos SUPERguidis. Afinal, se a marca de calçados é hoje parte da representatividade da juventude das décadas 1960 e 1970, os guaibenses merecem, certamente, um título especial entre os recém-adultos do início do século XXI.

O reconhecimento da banda na cena alternativa pelos dois primeiros trabalhos, já demonstrava a paudurescência dos caras (paudurescência. Sempre quis ELOGIAR algo desta forma. E podem me chamar de guei). Mas o terceiro trabalho, homônimo ao grupo, mostra que eles vieram para marcar lugar no rock nacional.

E não há como discordar de TODAS as resenhas escritas até agora. O Superguidis, de 2010, mostra amadurecimento. E, principalmente, nos faz entender que crescer dói. Pra todo mundo. E que o mundo das responsabilidades não espera até nos sentirmos prontos.

Assim, o álbum dos triângulos abre com Andrio Maquenzi explicando que "quando se quer esquecer o que o Roger Waters disse em setenta e três" é preciso ter em mente que não há volta. Que o que passou deve ser deixado para trás. Mas este é só o primeiro baque para aqueles que esperavam a energia teenager de A Amarga Sinfonia do Superstar ou do disco de estreia, de 2006. No lugar da guitarreira grunge-powerpop-indie, a abertura vem no tom melodramático de alguém que viu que tudo o que acreditou na adolescência já não serve para mais nada. Um conjunto de cordas – falso – completa o clima, fazendo nos sentirmos passageiros de um navio naufragando, onde não há nada para se fazer a não ser esperar que o fim seja breve e sereno.

Mas a abertura é um grande engodo para a volta do 'bom e velho' estilo superguidiano. "Não Fosse o Bom Humor" tem título auto explicativo. "Visão Além do Alcance" é, talvez, a letra mais legal do disco, mesmo sendo completamente nonsense. O verso "com tanto artifício assim é difícil ser você mesmo" parece sintetizar em uma frase como é chegar perto dos 30 - e estar recém saindo da adolescência - em anos em que tudo parece superficial e falso.

"As Camisetas" e "Fã-Clube Adolescente" trazem a comprovação que, mesmo quando a gente cresce, não é possível se livrar da adolescência de uma vez só. “Camisetas”, inclusive, é para ser cantada na fossa, afinal, todo mundo se pergunta "por que será que sempre chove quando alguém te abandona?", não?

"De mudança" é, sem dúvida, a melhor faixa, no conjunto instrumental+letra. Traz o medo, as dúvidas e todas as expectativas de um casal que resolveu tentar a vida juntos. Das 11 faixas, merecem destaque, ainda,”Quando se é Vidraça”, que - explicando para aqueles que nunca aprenderam a fazer interpretação de texto nas aulas de português - tenta comprovar a tese de que ser pedra é fácil, o complicado é ser vidraça; "Nova completa", praticamente uma homenagem a todos aqueles cansaram de perder as coisas que mais prezava na vida; e "Aos Meus Amigos", trazendo o alento de que por mais furada que esteja nossa canoa, não estamos sozinhos.

No mais, Superguidis traz um peso nos instrumentos incomuns, até então, para o som da banda e uma obscuridade - muito culpa do tal falso conjunto de cordas - que, no futuro, poderá a torná-lo conhecido como um ÁLBUM CONCEITUAL.

Mas quem se importa com essas bobagens quando se está vivendo o turbilhão de dúvidas que as pessoas insistem em chamar de MATURIDADE? Alguém?

segunda-feira, 29 de março de 2010

JORNALISTA ARMANDO NOGUEIRA

#mandachuva
O jornalismo piora

txt: Tiago Jucá Oliveira

O jornalismo e a arte brasileira perdem um de seus poetas, filósofos e mais dinâmicos homens que este país já teve. É difícil pra mim falar de Armando Nogueira, pois não tenho a mesma doçura com as palavras que ele tinha. Mas estou a aprender coisas do tipo "é possível criticar sem ofender e elogiar sem bajular".

Alguns setores da sociedade não devem lamentar a perda do mestre:

1. Os partidos conservadores (aqui no Brasil autodenominados de "esquerda"), pois Armando criou o Jornal Nacional pra Rede Globo.

2. Os retranqueiros que tomaram conta das redações esportivas e das comissões técnicas dos clubes e seleções de futebol.

3. Os medrosos que defendem a obrigatoriedade do diploma. Não sabem ou não querem saber que Nogueira não tinha diploma. Apesar disso, criou o jornal mais assistido da TV brasileira.

Nós, discípulos da arte e do romantismo, vamos sentir falta dele. E sabemos que é cada vez mais difícil ter jornalista e pensadores dessa linha nas redações de grandes jornais e emissoras. Em sua homenagem me atrevo a dizer a seguinte paródia: "se Armando Nogueira não tivessa nascido homem, teria nascido caneta".

NOÉ AE?!: Breculê

ROCK GAÚCHO É UM TERNO MOFADO

#agência pirata
Novo demais pra isso

txt: Leo Felipe

Assim me vejo diante da desgastada cena do tal do Rock Gaúcho. Causa espanto observar essa – pra usar um termo bem sulista – gurizada ouvindo Beatles como se fosse a última novidade musical do planeta. Não que eu seja louco (ou idiota) a ponto de questionar a importância e a influência do famoso quarteto, ambas gigantescas e incontestáveis, mas a questão é que soa tão anacrônico. Isso a que se convencionou chamar de Rock Gaúcho, esse tipo de música inspirada na sonoridade dos anos 60 e embalada em terninhos de brechó mofados, não tem mais saída. Assim como os “sixties” terminaram naquele melancólico “dream is over” de guerras, golpes, overdoses e assassinatos, o seu pastiche também tem seus dias contados. Até a Cachorro Grande já percebeu isso. O clichê do “garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones” (não por acaso, um sucesso sessentista requentado pelos conterrâneos Engenheiros do Hawaii) começa, no discurso da banda, a ceder espaço para referências um pouco mais contemporâneas (20 anos depois, pelo menos). Refiro-me à citação do vocalista Beto Bruno aos Stone Roses como influência no último trabalho do grupo. Só falta agora trocar os terninhos por umas roupas mais descontraídas. Não digo aquelas camisas folgadas e coloridas estilo Manchester, mas quem sabe uns casaquinhos de tecido sintético.

O tecido sintético dos timbres eletrônicos raramente veste o Rock Gaúcho, ele é quase sempre valvulado. Ou acústico. Ou vice-versa. Ok, têm o incansável Edu K e o DJ Chernobyl, mas esses já estão numa esfera internacional e não cabem mais na redução regionalista. E por falar nesse legítimo camaleão do rock brasileiro, o Edu sempre traçou um caminho torto em relação à turma dos que amavam Beatles e etc. Lá nos anos 80, ele andava com o Miranda e o Flu e ouvia, (muito) além de Beatles & Stones, pós-punk, funk, new wave. Referências quase alienígenas para os roqueiros de TNT, Cascavelletes e congêneres. Ou genéricos, como se diz por aqui.

Em termos não de culpa, já que um verdadeiro criador nunca pode ser acusado de gerar imitadores, mas origem, esse espírito sessentista que assombra o Rock Gaúcho tem na figura de Flávio Basso uma referência fundamental. Nos anos 1980, o sujeito esteve à frente do TNT e dos Cascavelletes, bandas definidoras do gênero. Na década seguinte, Flávio inventou o Júpiter Maçã, uma persona psicodélica diretamente relacionada com a estética da lisergia e do amor livre. Mas o homem é da estirpe dos malditos, de modo que coube aos discípulos (filhotes?) trazer de volta os anos 1960 em cadeia nacional, via Music Television, bem debaixo dos chapéus tipo Bob Dylan.

Os anos 1960 sempre ocuparam um lugar especial no imaginário dos roqueiros nativos. Estão presentes no ié-ié-ié malicioso do TNT e dos Cascavelletes, nas composições dylanescas de Júpiter Maçã, no delírio sydbarretiano de Plato Divorak, na Jovem Guarda atonal da Graforréia Xilarmônica. A música produzida nos anos 1960 é uma das mais influentes da história. Mas, desde l á , muita coisa aconteceu e é no mínimo limitante buscar referências apenas naquele universo. Especialmente depois de tantas – usando uma expressão bem a ver com aqueles anos – revoluções que ocorreram na música pop nas últimas décadas. Não há problema em buscar inspiração em algo feito 40 anos atrás, o erro é a reverência conservadora e excludente que olha o passado sem de fato compreendêlo. Um exemplo: imagine Jimi Hendrix vivo. É bem provável que andasse às voltas com samplers, softwares e ruídos digitais. No entanto, a maioria dos fãs de Hendrix que conheço torce o nariz só de ouvir a expressão “música eletrônica”. É que esse pessoal do Rock Gaúcho é muito conservador. Troque os terninhos por bombachas e dá no mesmo.

Lembro quando ouvi o álbum Revolver pela primeira vez, ainda nos teens. Que descoberta! Na época, um amigo mais velho, o Roberto, um sujeito que viveu a explosão do punk na Europa dos anos 1970, costumava dizer: “Odeio Beatles”. Mesmo perplexo, eu podia compreender o sentido da afirmação: os Fab Four representavam pro Roberto um passado distante e gasto, preso em escombros de sonhos frustrados, deixado pra trás pela velocidade da História em transformação. Hoje em dia, ando pensando no Roberto com freqüência. Sempre que fico sabendo do show de uma banda de covers dos Beatles. Ou quando entro num clube e escuto “ I want to hold your hand” na pista de dança. Ou nas conversas de jovens roqueiros em ternos de brechó apertados: John, Paul, George e Ringo.

Velho demais pra isso, quem sabe.

domingo, 28 de março de 2010

NARDONI, O REALITY SHOW

#over12
Poi Zé

txt: Tiago Jucá Oliveira

Você poderia responder pra mim algumas questões sobre nossa sociedade: quantas pessoas agonizam na fila de algum hospital neste exacto momento por falta de recursos pra saúde pública? Qual o número de crianças que estudam com fome por desvio de verba escolar? Quantos adolescentes estão “fazendo amor” com seus pais ou padrastos agora? Quanto ganha um policial que repassa armas pra traficante? Qual o tamanho do estrago ambiental que madeireiras, plantadores de soja e criadores de gado fazem na Amazônia diariamente? Quantas pessoas morrem nas estradas esburacadas, pois os recursos públicos foram desviados? E, pra finalizar, pergunto: quantos casos assim sequer são julgados?

Poi Zé, agora imagine você se a mídia tratasse dessas questões com o mesmo entusiasmo que cobre o julgamento do casal Nardoni. Transmissão ao vivo, helicóptero com imagens aéreas sobre o camburão que leva os dois para o presídio, manchetes de primeira página durante uma semana, cinegrafistas na carona do motoqueiro perseguindo a mãe da vítima.

A cobertura do caso foi uma das piores coisas que o jornalismo brasileiro já produziu. E a reação da opinião pública igualmente nojento. Fogos de artifício, top ten no Twitter, multidão em frente ao fórum. Uma das cenas que retratam o nível em que chegamos de intolerância democrática: um rapaz exibe solitário um cartaz de apoio aos Nardoni, e uma mulher tenta arrancar de suas mãos o democrático direito de se expressar. Também foi triste de assistir à explosão de alegria popular quando a sentença do juiz é proferida. Aquele povo todo comemorando a desgraça alheia, para a assim poder justificar suas cagadas diárias. “Bato na minha mulher, mas pelo menos não mato minha filha”, é capaz de se desculpar algum amigo do goleiro Bruno.

Quando somos medíocres, a única coisa que nos torna melhor é justamente o defeito do outro. Basta observar a igreja da imbecilidade, BBB, e a reação de quem o assiste. “Fulano tem que ir pro paredão porque é mal”. E lá vai ele gastar mais um trocado em ligação telefônica pra por o bicha ou o homofóbico, “exemplo desse tipo de gente que não presta”, na rua.

O caso Nardoni não deixa de ser um Big Brother. E o que questiono diante de tanta vibração quando um promotor ou o Bial anuncia o paredão: o que isso vai mudar na sua vida? Você acordou mais feliz hoje porque os Nardoni vão mofar anos na prisão e o Dourado pode ir pra rua? Sentimento de justiça num país injusto? Então desligue a TV e vá fazer plantão no Planalto Central.

Ah, minha opinião sobre o caso: é óbvio que eles são os culpados pelo assassinato, mas não nego que torci pela absolvição de ambos. Seria o estopim pra uma revolução popular no Brasil. Com certeza, os manifestantes e justiceiros que ontem estavam no Fórum hoje estarão no Projac pra apedrejar o eliminado do BBB. A justiça com as próprias mãos, mano, é só ligar. Somente 39 centavos mais os impostos. Pena que ninguém queira eliminar os impostos.

Não gostou do texto? Me indique ao paredão!

sábado, 27 de março de 2010

GALO ROSA E VINGADOR

ILHA OU PRISÃO?



#agência pirata
Todos tenemos la obligación de responder a Cuba

txt: Pablo Pacheco Ávila, prisionero de conciencia.

‘Mi hija tiene un yuma’ – dijo un reo a otro. Frases como esta comenzaron a escucharse en la Mayor de las Antillas a raíz del colapso del campo socialista en Europa del Este. Las autoridades nunca previeron la realidad histórica de un sistema excluyente por naturaleza. Los creadores del socialismo o comunismo, o como quieran llamarlo, tenían en mente perpetuarse en el poder aunque en ello estaban en juego las libertades fundamentales del ser humano.

La ex - Unión Soviética se desintegró y de la noche a la mañana dejó de ser la potencia mundial para convertirse en un tigre de cartón. El más mínimo soplo de aire se desvaneció la esperanza de ilusos incondicionales a Moscú. Esta situación del nuevo mundo geopolítico trajo consecuencias irreversibles para la sociedad cubana. Acostumbrados a recibir de todos o casi todos los países pertenecientes al CAME, (Consejo de Ayuda Mutua Económica) los cubanos vivíamos lo que yo considero un verdadero periodo especial, sin tantas penurias.

Ahora, analizando los acontecimientos, no puedo asegurar que los tiempos de bonanza socialista regresen. Tampoco considero las dos últimas décadas de ‘periodo especial’, como tildaron este tiempo las autoridades de La Habana. El resultado de lo que hoy tenemos es el rostro de un sistema de gobierno incapaz de saciar las necesidades del cubano de a pie.

Nuestra sociedad ha perdido valores difíciles de recuperar. No es secreto que jóvenes de estos tiempos prefieren casarse con un extranjero a recibir el carné de la Unión de Jóvenes Comunistas. Asimismo, e increíblemente, la juventud prefiere batirse con la muerte en las turbulentas aguas del estrecho de la Florida, montados en una balsa o una sofisticada lancha, lista para la peligrosa y denigrante trata humana, a enfrentar el aparato con su policía del pensamiento, como dice mi colega y hermano de causa Miguel Galván Gutiérrez.

Es cierto que con el advenimiento del nuevo milenio la sociedad cubana ha tomado conciencia de nuestra cruel realidad. Son muchos cubanos los que han perdido el miedo a tanto dolor y poco a poco se han sumado a la disidencia. Aunque el número de periodistas opositores, bibliotecarios independientes, activistas de derechos humanos aún es inferior a los militantes del partido comunista de Cuba, pero a la hora de hacer un análisis objetivo, el más mediocre de los humanos comprende la necesidad urgente de cambiar la situación actual por un modo de vida más viable en los tiempos que corren.

Soy partidario que el problema de Cuba solo nos compete a los cubanos y debemos resolverlos nosotros, pero no se puede olvidar la tristemente célebre Sudáfrica de Nelson Mandela. Gracias a la comunidad internacional aquel apartheid es hoy un cadáver de la historia.

Lo peor y más triste de hoy es el status quo de los presos políticos. Vivimos en condiciones extremadamente difíciles. Llama poderosamente la atención la muerte reciente del prisionero de conciencia Orlando Zapata Tamayo, después de una prolongada huelga de hambre. Pero mas triste ha sido la actitud gubernamental tratando de restarle meritos al preso político, y el Ministro de Relaciones exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla, dio un retórico discurso en el Consejo de Derechos Humanos de la Organización de Naciones Unidas para hacerle creer a la comunidad internacional la retorcida diatriba hacia el presidio político y la disidencia en general.

En estos momentos existen varios presos políticos en huelga de hambre, además del periodista independiente en libertad Guillermo Fariñas, el cual lleva varios días sin ingerir alimentos exigiendo a las autoridades la libertad de los presos políticos y de conciencia, de ellos muchos con enfermedades crónicas adquiridas en cautiverio.

La Unión Europea y los Estados Unidos aguardan por un gesto de buena voluntad de la nomenclatura en el poder, pero la Habana se mantiene inconmovible hacia sus rivales políticos, desconociendo que todos, absolutamente todos tenemos la obligación de responder a Cuba aunque sea desde puntos de vistas divergentes.

sexta-feira, 26 de março de 2010

MUSSUM VIVE




#a vida como ela noé
"Se Deus tivesse mandado "O Dilúvio" de cachaça ao invés de água, não seria um penitencia, seria uma bençãozis!"


txt e ntrvst: Tiago Jucá Oliveira

Na vida real, Mussum foi um dos artistas mais engraçados que este país já teve. Quem não lembra do "mé", do "cacildiz" ou do "quero morrer pretis se for mentiriz". No twitter, Mussum foi reencarnado por Leandro, técnico mecânico e estudante de engenharia de produção. O perfil de @MussumAlive talvez não seja tão engraçado quanto o do @ocriador, afinal de contas este encarna o pai de todos. Mas @MussumAlive é mais simpático e interage com seus seguidores constantemente. Prova disso é que vai chegar nos 50 mil seguidores logo mais (tomara que possamos ajudar a chegar lá). Se o Mussum verdadeiro era a expressão da simpatia típica do povo brasileiro, mais exatamente um negão, torcedor da Mangueira e do Flamengo e chegado num mé, o @MussumAlive não deixaria de imitar esse dom que conquistou o Brasil. Abaixo, o bate papo que acabei de ter com ele no GTalk.

Você é da onde? O que faz alem de twittar coisas engraçadiz?

Eu sou de SP, sou técnico mecânico, e estudo engenharia de produção.

Por que você escolheu o Mussum? Qual sua idade? Pegou o apogeu dele nos 80?

Eu tenho 27 anos, e escolhi o Mussum, por ele representar muito a minha infancia, e por que quando eu resolvi criar um perfil fake eu estava ouvindo bastante originais do Samba

De onde tu tira tanta bobagem engraçada? Você posta muita coisa por dia, e sempre damos uma risada.


Eu crio geralmente do meu dia-a-dia, coisas que eu vejo, e imagino o que o mussum diria se estivesse vendo aquilo...

Chegado num mé também?

Também sou chegado no Mé, preciso de inspiração para o personagem né?? kkkkkk

Kkkkkkk. São 46 mil seguidores no twitter. É uma responsa né, pois quem te segue quer rir. Existe algum apoio financeiro pra vc disponibilizar seu tempo e criar?

Graças a deus, meus 46 mil seguidores que considero como amigos, por isso acho que é mais natural, eu não me sinto pressionado a fazer algo engraçado nenhum apoio, eu faço tudo nas minhas horas vagas, e não-vagas as vezes

Legal isso, pois vc responde a todos e também os segue

Quem você considera o melhor twitter?

De humor?

É, pode ser de humor

Bom, em humor, os que mais me fazem rir são: @rafinhabastos e @ocriador.

Sai uma piadinha ae em primeira mão brincando com nosso nome?

"Se Deus tivesse mandado "O Dilúvio" de cachaça ao invés de água, não seria um penitencia, seria uma bençãozis!"

Maravilha, Cacildiz!

UNIVERSIDADE PIRATA DA BAHIA



#agência pirata
Cultura Digital

txt: Leonardo Foletto

Eis que uma iniciativa inédita no país toma corpo na Bahia, a partir de apoio da Universidade Estadual da Bahia e do Pontão de Cultura Junta Dados: a Universidade Pirata. O objetivo da coisa é oferecer cursos relacionados à cultura digital e, como não poderia deixar de ser, “fomentar o uso de tecnologias livres (software e hardware livre) e promover discussões sobre democratização da comunicação, apropriação tecnológica, conservação ambiental dentro de um espaço autônomo na Universidade“.

A ideia do pirata no nome é aquela mesma que está por trás de boa parte das associações, na rede, com o termo pirataria; “um esforço para demonstrar que o termo pirata não indica cibercriminalidade, e sim o grupo de pessoas que busca meios de reparar as restrições ao mercado cultural, intelectual e de informação”, nas palavras do texto de divulgação da iniciativa.

Os cursos oferecidos são os seguintes: Lógica de programação, Vídeo em Software Livre, Pure Data, Direito Autoral e Meta-reciclagem, todos a ocorrer por 4 meses com aulas uma vez por semana. As inscrições estão abertas até 15 de abril (tem prioridade aqueles que participam de pontos de cultura) e, por enquanto, os cursos só funcionam de maneira presencial, no campus de Salvador. Mas como se tem a previsão de oferecer módulos a distância, fique ligado na página da Universidade Pirata para novas informações.

quinta-feira, 25 de março de 2010

NEM FUDENDO (ou CARECA BABACA)


#over12
A semana

txt: Tiago Jucá Oliveira

Duas coisas prenderam minha atenção à mídia nesta semana. Putaria da porra! Não sou a favor de câmaras escondidas pra obter informação jornalística. Isso deveria ser função policial. Falsidade ideológica, portanto crime? Somos nós, jornalistas, a polícia? Pergunto. Pois me parece instalado o quarto poder, com alguns poderes especiais. Ou, com o fim do AI-5 do diploma de jornalismo e da exclusividade de geração de conteúdo somente pelas grandes emissoras, uma nova era de cidadania e liberdade de imprensa está a se formar. O quarto poder, de fato: nós, em rede, comunicando e sendo comunicado, nos fiscalizando.

A primeira parte da denúncia que o Proteste Já do CQC fez a prefeitura de Barueri teve esse porém, embora muito mais revoltante foi assistir a pilantragem de nossos políticos em ação, no ato, no flagrante. Acuados pela verdade, tentaram a calar. E conseguiram num primeiro instante. Mas o babaca careca da mídia golpista reverteu a situação. Apesar de várias ações nos últimos meses que nos fazia sentir na Venezuela ou em Cuba, como a censura ao blog do Ungaretti ou a ofensiva contra a liberdade de comunicação por parte da FENAJ, há esperança.

Melhor do que a reportagem enfim ir ao ar, a delícia da noite foi espontaneamente nos dada pelo prefeito da cidade que tem nome em homenagem à uma música dos Os Mulheres Negras. O “babaca careca” que aquele senhor gritava e xingava e rugia não tem preço. Um digno representante da democracia representativa. Rouba, mente, censura e agride.

("Porém, ah porém", como dizia o mestre, "há um caso diferente que envolve toda minha gente": outra cousa também mereceu destaque na mídia, mas aí é papo pra outro texto, ok? Caso Nardoni).

O que também focou meu olhar foi o papel higiênico da Veja, cuja ótica jornalística para o caso Glauco faz crer que o assassino do cartunista é o Santo Daime. Resumi pro micro-povo : “A veja quer culpar o ayahuasca pela morte do Glauco. Então pq não culpar a droga da bíblia pela pedofilia dos padres?”

Sobre os dois casos, recomendo o texto do Alexandre Haubrich e o do Bruno Natal

Daime paciência? Nm fudendo, mano!

terça-feira, 23 de março de 2010

VITOR RAMIL



#agência pirata
Milonga de la milonga

txt: Vitor Ramil

“Chamam a este fenômeno de délibáb”, expliquei. “Esta locomotiva e este vagão que vocês vêem, tão nítidos, a correr neste horizonte desértico, não estão aqui onde parecem estar, mas a pelo menos uns cem quilômetros de distância. Acontece em dias de muito calor. Essa imagem atravessou regiões de atmosferas de densidades diferentes e projetou-se assim, clara, plana e não invertida, diante dos meus olhos. Nenhum som a acompanhava. Só depois de muito procurar é que me convenci de que realmente não havia trilhos no lugar.” Ao rever aquela fotografia, há tanto tempo guardada, e observar a reação de deslumbramento dos meus amigos, pensei que o “grande círculo” seria a documentação de um tipo de espelhismo, pois suas fotos eram o registro do que já fora visto por outro em outra parte, conforme os textos demonstravam. Era também algo deslumbrante. (Satolep – Vitor Ramil, Ed. Cosac Naify, 2008.)

Às vésperas de partir para Buenos Aires para dar início à produção deste disco, ocorreu-me que eu voltaria de lá trazendo comigo o registro de um délibáb, tal qual Selbor, o narrador do meu romance Satolep. Gravar as milongas que havia composto para os versos de Jorge Luis Borges e de João da Cunha Vargas seria documentar uma projeção de imagens remotas, de arrabaldes buenairenses e ambientes campeiros, na urbanidade de nossos tempos atuais; seria registrar minha visão do que já fora visto por outros em outra parte.

O délibáb é um fenômeno extraordinário da planície húngara, tão semelhante às planícies do sul do nosso continente. Único em seu gênero, este tipo de espelhismo transporta paisagens muito distantes a horizontes quase desérticos, reproduzindo ante os olhos maravilhados do observador, em dias de calor, o desenvolvimento de cenas distantes. Quadros curiosíssimos que cobrem o horizonte em enormes projeções. E suas imagens são planas, nunca invertidas, nítidas, claríssimas. Este fenômeno ótico é devido à refração desigual dos raios solares nas camadas de ar, de temperatura e rarefação diferentes. A imagem passa por diversas regiões de atmosfera de diferente densidade, até projetar-se sobre o horizonte da planície.

Um trem corre a toda velocidade, mas não se percebem ruídos da máquina, nem se escutam os apitos. Em realidade, tal cousa sucede porque o trem não está ali; talvez se encontre a mais de 100 km de distância. Mas o délibáb o atrai ao horizonte... (Nosso Universo Maravilhoso, Ernesto Sábato – direção literária –, Livraria El Ateneo do Brasil, 1960.)

Cenas distantes, espelhismo, nitidez, horizonte, planícies. Com tantas sugestões, não demorei a achar que a palavra húngara délibáb poderia dar nome a este trabalho. Além disso, havia o jogo borgeano de ser um vocábulo de uma cultura antiga e longínqua com ares de palavra inventada; de ser uma palavra encontrada em um livro cujo autor (el hombre que entreteje estos símbolos), por sua vez, a extraíra de uma velha enciclopédia. Houve quem pensasse que délibáb era invenção minha. Eu próprio desconfiei que fosse uma peça de ficção plantada no terceiro volume da coleção de Ernesto Sábato (diretor literário). Precisei visitar Budapest, transitar pela Délibáb Utca, deparar-me com a expressão por toda parte e ouvir depoimentos de cidadãos húngaros para, ainda que sem testemunhar o délibáb, convencer-me da sua existência. Trata-se de um fenômeno natural que é atração turística na Hungria. Continuei, contudo, desconfiado de que a descrição do Nosso Universo Maravilhoso fosse bastante fantasiosa, o que só tornava a palavra e seu sentido ainda mais atraentes para mim e meu projeto, em que ficção e realidade se confundem. A decisão de que délibáb seria o nome do disco só aconteceria depois que eu incorporasse uma das paixões borgeanas e partisse para o estudo etimológico. Foi quando descobri que délibáb, cujo significado é “miragem”, vem de déli (do sul) + báb (de bába: ilusão). Como não ficar maravilhado diante daquela “ilusão do sul”, ainda que fosse só uma miragem?

délibáb, o disco, reúne milongas que compus a partir das milongas-poemas do argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), publicadas originalmente no livro Para las seis cuerdas, e dos versos do brasileiro João da Cunha Vargas (1900-1980), registradas, na voz do poeta, em fitas cassete e posteriormente publicadas em seu único livro, Deixando o pago. Como as datas indicam, em 2009 e 2010 os dois autores completariam, respectivamente, cento e dez anos. Guardadas as imensas diferenças entre suas vidas e obras, suas imagens se projetam nitidamente no horizonte de um Sul mítico, tocando-se em determinados pontos.

Ambos foram homens de memória prodigiosa. A memória de Borges, poeta culto, é célebre: abarcava sua poesia, cada palavra de uma conferência a ser proferida ou um sem fim de versos de outros autores, em mais de um idioma; a memória de Vargas, poeta popular, guardava sua poesia, já que ele não costumava escrever seus versos. Borges escreveu sobre o gaúcho e a poesia gauchesca; Vargas foi o próprio gaúcho e elaborou seus poemas. Se Borges tivesse visto Vargas declamar (dizem que foi um exímio declamador) talvez o definisse como um payador influenciado pela poesia gauchesca – esse homem do campo seria então um poeta espontâneo capaz de expressar uma filosofia de vida em palavras de uso cotidiano, mas, ao mesmo tempo, de reforçar as tintas da cor local ou de usar uma palavra que Borges dizia jamais ter ouvido no campo, a palavra pampa; Vargas talvez definisse o inextricable y casi infinito Borges com uma imagem simples e pungente.

Borges e Vargas estiveram fisicamente próximos, sem sabê-lo, evidentemente, quando Borges passou uma temporada na estância Las Nubes, em Salto Oriental. Vargas, nascido e criado na Estância da Primavera, vivia a alguns quilômetros dali, no município de Alegrete. Não teriam eles, em suas andanças pelos campos extensos e abertos daquela zona de fronteira entre Uruguay e Brasil, avistado os vultos um do outro ao longe, nem que fosse como um délibáb? No mínimo, o poeta brasileiro foi visto por Borges na pele de outros gaúchos, representantes, como ele, de um mundo primitivo fadado a perdurar menos na realidade que na prosa e poesia refinadas do autor argentino. Nesta ocasião, Borges esteve na cidade fronteiriça de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul. Lá, como José Hernandez, autor do Martín Fierro, que esteve exilado nesta localidade, ele escutou voces gauchas que o marcariam para sempre. Essas vozes tinham o timbre da voz de João Vargas.

A primeira edição de Para las seis cuerdas data de 1965. No prólogo, o autor sugere ao leitor suprir a música ausente pela imagem de um homem que cantarola acompanhando-se con la guitarra. La mano se demora en las cuerdas y las palabras cuentan menos que los acordes. Borges costumava declarar que essas milongas (assim o autor se referia aos poemas do livro) se haviam composto sozinhas, vindas de um fundo criollo, argentino; que ele pouco interferira e que esperava que não tivessem nada de literário. O poeta culto desejou aproximar-se do que chamava de “poesia popular”. Conseguiu-o, ainda que seus versos “populares” não apresentem imperfeições formais e tragam a marca de sofisticação de quem sempre manejou com maestria o idioma. Suas milongas (Borges considerava este gênero, e não o tango, a música representativa de Buenos Aires) não contam histórias de gauchos, mas, principalmente, de compadritos (ou compadres), tipo popular cuja lenda remonta aos anos de formação da capital argentina (um personagem que se assemelha em muitos aspectos ao mítico “malandro” da Lapa do Rio de Janeiro antigo). Leopoldo Lugones o definiu como um híbrido triplo de gaúcho, negro e italiano; Adolfo Saldías, como um cavaleiro andante dos arrabaldes, aventureiro e romântico, representante de uma classe média entre os homens da cidade e os do campo. Segundo Borges, el compadrito fue el plebeyo de las ciudades y del indefinido arrabal, como el gaucho lo fue de las llanuras o de las cuchillas. (…) De paso recordemos que el compadrito se vio a sí mismo como gaucho. (…) Compartían (o gaúcho e o compadrito), por lo demás, el hábito de los animales y de los cuchillos. El campo entraba en la ciudad. É significativo que Borges tenha apresentado um de seus personagens como en el peligro primero, imagem que ecoa los primeros en el peligro, utilizada por Antonio D. Lussich, anos antes, para definir os gauchos.

Os versos de Borges são pródigos em cuchillos (facas), peleias, sangue e mortes. Colocá-los lado a lado com os versos de Vargas faz com que se sobressaiam nesses a doçura, a amorosidade e a melancolia, ainda que apresentem também cenas de valentia e de violência. Isso me faz pensar na diferenciação que faz Barbosa Lessa entre espanhóis e portugueses no período de formação do Rio Grande do Sul: Mesmo que ainda não tenham sido fixadas as fronteiras políticas, as fronteiras culturais já estão determinando onde mora o espanhol, com seu culto às chagas de Cristo, ao martírio dos cravos e espinhos, à dor do luto e à atração da morte, e onde mora o lusitano, com seu ingênuo lirismo, cultuando o Menino Deus ou São João com o cordeirinho nos braços.

Vargas também poderia ter chamado seus versos de milongas, pois eles parecem feitos sob medida para o gênero. E não seria um completo engano supor sua poesia inserida na tradição de oralidade dos payadores, símiles sulistas dos repentistas do nordeste brasileiro, graças principalmente à musicalidade cativante de seus versos (o payador rio-grandense Jayme Caetano Braun dizia que, ao declamar, João Vargas subia ao palco “um homem franzino e descia de lá um gigante”) e ao fato de o poeta não costumar escrevê-los, tarefa de que se incumbiam eventualmente seus familiares e amigos. Se a expressão poética de Vargas foi influenciada pela poesia gauchesca, segundo a acepção de Borges, é inegável que sua poesia se impõe mais pelo tanto de verdade que comporta do que pelo pitoresco de seu vocabulário. Borges, quando jovem, tentou escrever poesia gauchesca e desistiu diante das complexidades de um dialeto que não dominava tecnicamente. Se Vargas, desde seus primeiros versos, abrisse mão do jargão gauchesco, sua poesia não deixaria nunca de ser a de um gaúcho.

Conheci as milongas de Jorge Luis Borges ainda adolescente. A primeira que musiquei foi Milonga de Manuel Flores, aos dezenove anos. Uns três anos depois conheci e musiquei Gaudério, de João da Cunha Vargas, que está em meu disco Ramilonga – a estética do frio. A partir dos anos 90, até duas semanas antes de começar a gravar o disco, musiquei outros sete poemas do livro de Borges e quase toda a obra de Vargas, que é pequena (segundo um de seus filhos, muita coisa se perdeu por falta de registro). Sempre senti o mesmo que Borges com relação às milongas: elas me vêm naturalmente, de um fundo crioulo, no caso, rio-grandense. Compus a primeira delas aos dezessete anos (Semeadura, gravada por Mercedes Sosa). De lá para cá, nunca deixei de compô-las, sempre com o mesmo sentimento. Porém, se Borges evitava que elas fossem “literárias”, eu, que pratico outros gêneros musicais e que também escrevo prosa de ficção, as vejo a meio caminho entre a música popular e a literatura. Acho que a milonga pampeana (e outras milongas de características semelhantes), por mais simples que sejam, têm o poder de atrair o ouvinte ao seu horizonte, como o délibáb descrito por Sábato, com uma intensidade mais característica da literatura que das canções.

Elegi a milonga como referencial para a busca de uma estética do frio (ou, em outras palavras, de uma expressão artística sul-brasileira que recusasse os estereótipos, tanto sulistas como brasileiros) por reconhecer nela um poder de desnudamento, de nos colocar em contato com o íntimo ou o essencial. Pensando na ideia de “frio” como valor estético, não apenas como elemento climático que referencia o Sul brasileiro, identifiquei na milonga, tão popular entre nós, gaúchos, valores estéticos que a tornavam a música do frio por excelência: rigor, profundidade, clareza, concisão, pureza, leveza e melancolia. Uma ênfase inicial no frio seco, geometrizante, foi necessária para uma limpeza conceitual de terreno. Mas aos poucos o frio úmido das cerrações, da indeterminação e da errância, foi recobrando em minhas reflexões um lugar que já era seu na prática, pois se eu refletia sobre “como dizer”, é certo que ao compor ou escrever eu sempre mais sugeria do que dizia. Hoje, já distante dos tempos reativos iniciais, uma ideia de vaguidade combinada às da esfera do rigor denota mais claramente o caminho para a busca de uma estética do frio em que frialdade e tropicalidade se conciliem em essência, não como mero encontro de superfície, e gerem uma linguagem-síntese. A vaguidade, que pode ser vista como um desdobramento da profundidade, da leveza e da melancolia, responde tanto pela vocação contemplativa da milonga como por aspectos formais como as flutuações de tempo, os silêncios, as hipnóticas melodias circulares e, no caso das minhas composições, os efeitos ilusionistas de acordes abertos e afinações preparadas. Sua simples enunciação como valor estético talvez já ajude a dissipar a impressão equivocada dos olhares apressados que, perdendo de vista a conjuntura que motivou a estética do frio, julgam ver em suas linhas gerais originais, em ideias como rigor, concisão ou clareza, uma expressão do frio em sua conotação negativa de coisa cerebral, rígida ou impessoal (algo compreensível quando as ideias de frio e de arte são associadas no contexto de um país “tropical” como o Brasil).

Essa estética do frio em que névoa, fantasmagorias, luzes e sombras passam a ter, com o perdão do paradoxo, presença definidora, já estava em meu romance Satolep e se afirma agora neste novo disco. Não é à toa que o nome délibáb foi tirado de um trabalho para justificar o outro. Em Satolep um personagem entoa milongas com palavras de Borges; outro, nascido e criado no campo, fala do gaúcho e seu mundo de maneira tocante. Em délibáb (gosto de grafar o nome do disco assim, em minúsculas, para aproveitar a sugestão de seu espelhismo gráfico) é como se os personagens de meus personagens tomassem a palavra.

As marcas autorais de Borges e Vargas são tão fortes que minhas músicas mudam nitidamente quando vou de um para o outro. Basicamente essas milongas correspondem àquela diferenciação entre portugueses e espanhóis proposta por Barbosa Lessa, mas as vozes dos poetas, individualmente, falam de forma irresistível através de mim. As milongas para os versos de Borges são em geral mais clássicas, épicas ou rítmicas, sempre fiéis à afinação tradicional do violão; as milongas com Vargas são mais próximas da canção brasileira, mais líricas e sentimentais, fluem como se aspirassem ao impressionismo das afinações preparadas. A imagem que tenho desses homens se ajusta à música que fiz para seus versos. E ainda que eu entenda a afirmação de Borges de que as palavras contam menos que os acordes; ainda que eu tenha suprido a música ausente de seus versos com minhas próprias voz e guitarra, adoto o sentido africano original do vocábulo “milonga” (plural de mulonga, que significa “palavra”) e entendo que em délibáb minha música está a serviço das palavras.

O disco foi gravado em Buenos Aires, em junho de 2009. Foram mais de dez horas de trabalho por dia, durante dez dias, no estúdio Circo Beat. A mixagem foi feita durante uma semana, no estúdio Papet Groove. Neste período, estive imerso no idioma e na mitologia de Borges, hospedado muito próximo aos endereços nas ruas Quintana e Pueyrredón em que o poeta viveu e produziu obras importantes, mais precisamente, ao lado do cemitério da Recoleta, tema de um de seus poemas e em cujas calçadas muradas pelearam los cuchilleros. Ao voltar do estúdio pela rua Santa Fe, eu pensava que ali, en una esquina del sur, havia sido morto Alejo Albornoz; se voltava pela rua Juan B. Justo, sob a qual o rio Maldonado corre canalizado, cantarolava: Allá por el Maldonado, que hoy corre escondido y ciego; no bairro de Palermo, a visão de uma remanescente casa baixa de portas e janelas abertas me transportava imediatamente ao Palermo de Evaristo Carriego. Ao mesmo tempo senti-me sempre em casa. No estúdio havia calefação (em vez de um ar condicionado congelante) e chimarrão, que o assistente técnico se encarregava de cevar. Além disso, volta e meia os argentinos presentes reconheciam como suas inúmeras palavras ou expressões dos poemas de João da Cunha Vargas, palavras como “tapera”, “pingo”, “pago”, “querência”, “churrasco”, “bolicho” (boliche), “china”, “mate amargo”, “pampeiro” (pampero), “rancho”, “guasca”, “cancha de tava” (taba), “guampa”, “indiada”, “boleadeira” (boleadora). Na capital cosmopolita, os interiores se comunicavam.

Mas o maior responsável por meu sentimento duplo de imergir em outra cultura sem apartar-me da minha foi Carlos Moscardini. Quando conheci sua música, anos atrás, foi como se eu já soubesse que ele estaria comigo neste délibáb. Acho mesmo que foi como uma miragem que eu nos vi. Carlos, um profundo conhecedor da música argentina dita “de raiz”, possui o toque mais inspirado e o som mais bonito de violão que já ouvi. Além do mais, é um sujeito pampeano, de perfil bajo, o que faz dele uma companhia natural para mim. Nosso tempo é o da gente do interior. Estamos de acordo que nossas músicas pertencem a uma mesma querência, que se projetam uma na outra, que se completam e se justificam. Nossos violões parecem achar o mesmo. Se o meu é uma planície, el cielo al revés, de Yupanqui; o dele, é um pensamento que vai longe. Se o meu tem o rigor minimalista do aço; o dele apresenta a doçura criolla do nylon. E por aí vamos. Nos conhecemos pessoalmente em Porto Alegre, quatro dias antes de subirmos juntos ao palco do Theatro São Pedro para apresentar essas milongas. Saímos da experiência ansiosos por registrá-la em disco. Como se nossas afinidades não bastassem, em Buenos Aires passei a vê-lo quase como uma figura saída de um conto de Borges, pois ele, além de ser um sujeito dos arrabaldes que infinitamente rasguea una trabajosa milonga, vive no Camino de las Tropas, próximo de Adrogué e Temperley, a poucos metros da família Iberra e da ponte sobre os trilhos de trem de Turdera, personagens e cenário descritos naquela que talvez seja a mais famosa das milongas de Borges, a Milonga de dos hermanos.

A atmosfera inspiradora dos momentos em que estivemos juntos em sua casa, ensaiando, conversando ou saindo para visitar os arredores cheios de lugares representativos da mitologia borgeana, estendeu-se às sessões de gravação. Aí tivemos a companhia de Tatu Estela, nosso técnico de gravação, responsável pelo registro fiel, despido de artifícios, da nossa música. Foi dele a ideia de microfonar a grande sala do estúdio para aproveitar sua ambiência, o que nos liberou de usar reverbers digitais ou analógicos. Esse recurso, somado aos microfones valvulados e ribbon e a uma mesa Neve do anos 70 foi determinante para a sonoridade final tão realista do disco. Cada violão foi gravado com sete microfones. A voz, com cinco. Gravamos tudo em separado, mas Tapera e Milonga de Manuel Flores foram gravadas ao vivo. De ambas, escolhemos a primeira toma.

Todo o trabalho foi documentado em vídeo pelo argentino César Custodio. A filmagem, em Buenos Aires, começou com minha chegada ao aeroporto de Ezeiza e terminou, passados trinta dias, no mesmo local, onde registrou-se a incrível coincidência de um encontro meu com Carlos Moscardini (depois de um mês de convívio quase diário, deixávamos o país ao mesmo tempo: ele, rumo à Costa Rica para uma apresentação; eu, a caminho de casa). Nesse meio tempo foram documentadas as sessões de gravação e mixagem, além de depoimentos meus, de Carlos e de Tatu, e de externas mostrando alguns endereços onde viveu e trabalhou Borges. Os últimos registros em vídeo foram no Brasil. Em Pelotas, alcançou-se a última luz de um dia quente para uma leitura do délibáb de Nosso Universo Maravilhoso às margens da Lagoa dos Patos. Em Alegrete, enfrentou-se uma estrada de rali para mostrar, também no limite do dia, a distante e isolada Estância da Primavera, onde nasceu João da Cunha Vargas. No Rio de Janeiro, registrou-se, a media luz, a participação de Caetano Veloso. Digo a media luz porque pedi a César que não usasse iluminação especial para essa ocasião. Mais que manter o clima dos registros de Buenos Aires, eu queria proporcionar o melhor ambiente possível para meu convidado. A música deveria estar em primeiro lugar. Dessa vez, infelizmente, a iluminação do estúdio não nos ajudou. Preservado o essencial, a produção despojada do DVD délibáb documental, feita na base de uma câmera e um microfone, ganhou seu momento “de guerrilha” ou, como dizem os argentinos, gauchito.

Como falei anteriormente, minhas milongas para os versos de Borges são mais clássicas, épicas ou rítmicas. Talvez a única exceção seja a Milonga de los morenos, que, como as milongas para versos de Vargas, traz a marca lírica da canção brasileira. Sempre achei que Caetano Veloso a cantaria lindamente, pela música, mas, especialmente, pelo tema, os negros, e pela forma como Borges o aborda, com uma afetividade que seus comentadores devem julgar incomum. Ao convidar Caetano para cantá-la comigo eu estava seguro de que sua voz, por tudo que ela representa, iluminaria a ponte que essa milonga estabelece entre as milongas de Borges e as de Vargas, uma ponte que, no contexto do disco, se estende entre a musicalidade brasileira e a sul-americana.

Como se pode ver, o délibáb atraiu muitas coisas ao seu horizonte. É um disco marcado pela visualidade. Por isso, além de César Custodio, convidei outros dois artistas da imagem a participar dessa produção: o designer gráfico carioca Felipe Taborda e o fotógrafo argentino Facundo de Zuviría, ambos meus colaboradores de longa data. A tipografia utilizada por Felipe é nova e inédita. Trata-se da fonte Olivia Round Regular, criada por ele mesmo. De Facundo pode-se dizer que sua especialidade é Buenos Aires, e que uma de suas grandes paixões é Borges, sobre quem tem um livro publicado em parceria com Félix della Paolera, Borges: Develaciones. A foto que ilustra a capa de délibáb foi tirada do alto do edifício Kavanagh, prédio emblemático da capital porteña, situado na Praça San Martin, que Borges costumava freqüentar. É uma imagem real, sem nenhum truque de computador: uma panorâmica da cidade capturada através dos vidros de uma janela que se abriu com o vento e atraiu o olhar do fotógrafo para uma súbita e extensa fantasmagoria urbana. Ao fundo vê-se o Rio de La Plata. De acordo com Facundo, do outro lado do rio estão Uruguai e Brasil. Ao escolher a foto da capa, levei em conta o fato de que, em Buenos Aires, há quem garanta que o Rio de La Plata muitas vezes produz uma miragem, que as formas que se vê no limite oposto das águas não são de fato a outra margem, como parecem ser. Como não ficar maravilhado diante daquela “ilusão do sul”, ainda que fosse só um délibáb?

NOÉ AE!?: JR Black

segunda-feira, 22 de março de 2010

O PIG TAMBÉM MANIPULA

#mandachuva

txt: Tiago Jucá Oliveira

Com a aproximação das eleições, algum setores da imprensa começam a perder a compostura, o senso crítico e inclusive faltam com a razão. Beiram ao ridículo.

O PIG, também conhecido por Partido da Imprensa Governista, virou uma espécie de bajulador do governo federal. Está proibido de criticar a administração Lula-Sarney-Globo. Faça isso e será rotulado de direitoso, golpista ou tucano. Como se a velha direita golpista de 64 não fizesse parte do governo populista da bolsa-esmola (expressão criada pelo Mino Carta, de certo também um golpista). Como se o tucano Henrique Meirelles não fosse o presidente do Banco Central dando seqüência à política econômica que todo banqueiro adora.

Talvez você não conheça Perseu Abramo. Ele é autor do livro “Padrões de Manipulação da Grande Imprensa”. Tudo indica que a imprensa nanica adotou o livro pra manipular também. Há dois tipos de padrões de manipulação em prática no momento pelos jornalistas do PIO: ocultação e inversão dos factos.

O PIG tem ocultado algumas coisas. Oculta Sarney, oculta Henrique Meirelles, oculta o representante dos latifundiários no Ministério da Agricultura e oculta o principal facto: o Ministro das Comunicações chama-se Hélio Costa, braço direito da Rede Globo no estado de Minas Gerais.

Ao ocultar isso, acaba por inverter a sigla pra Partido da Imprensa Golpista com o objetivo de atacar a Rede Globo e outros meios de comunicação. Mas como, cara pálida, que a Globo vai ser golpista? Por que a Globo vai ser oposição ao seu próprio governo? Auto-crítica? Qual razão teria a Globo de derrubar o governo que a levantou após a quebradeira que ela e o país tiveram assim que FHC foi reeleito?

Agora, se Veja, Estadão, Foia di Sampa e Zero Hora criticam o governo, é outra coisa. São revistas impressas, e não concessões públicas. Eles tem todo direito de criticar quem quer que seja. Vivemos num país democrático, e não na Venezuela, Irã ou Cuba, cujos presidentes são super amigos do nosso. Você não vai querer que a Veja apóie o MST, né? A Veja representa uma elite que todos sabem quem é. Mas claro, como ela sabe que grande parte de seus leitores é formada por conservadores (eleitores de FHC, Lula, Serra e Dilma), ela aproveita pra cutucar. Se você não é conservador, não deveria estar lendo essa bosta de revista. Mas não, perde seu precioso tempo lendo e relendo Veja, e depois vai pro twitter que nem uma bicha louca: “PIG”, “Veja é Golpista”. Ridículo, mano!

E ainda há coisas piores. Mestres do jornalismo brasileiro caíram em desgraça com a ala conservadora da imprensa nanica. Cansei de ver porrada pra cima de Marcelo Tas e Arnaldo Jabor. Ninguém pode criticar neste país. O sonho dessa gente é que aqui vire uma Venezuela, com censura a imprensa, restrições à internet e, claro, sem nenhuma luz no fim do túnel, literalmente. O pior apagão, meu amigo, não é o da Dilma nem o atual na Venezueira. É o da cabeça. Te liga, mané!

NOÉ AE!?: Karina Buhr

domingo, 21 de março de 2010

MALLU MAGALHÃES



#mãe rata conection
Lá vem ela

txt: Alexandre Lucchese
pht: Tatu 43


Goste ou não goste, Mallu Magalhães é um fato que não pode ser ignorado na música brasileira. Representante mais vistosa da Geração Y, Mallu não apenas se fez ouvir e alçou sucesso através da rede mundial de computadores: na verdade, o canto de Mallu nem existiria – ou pelo menos não seria o que é – se esse mundo não tivesse se transformado nessa massa pasteurizada e sincrônica, onde qualquer criança com um mínimo recurso digital e banda larga pode acessar Johnny Cash, Bob Dylan, Chico Buarque e boa parte do que os formou e quase tudo que deles deriva através de sucessivos cliques de mouse.

Mallu é assim. Poderia ter nascido em Porto Alegre, Brasília, Seattle, Veneza ou Arroio Teixeira que, suspeito eu, sua música não seria muito diferente do que é. E não se enganem: o que a faz brilhar não é sua precoce visão de mercado, pois isso é uma das marcas de toda essa geração que cresce sob signo da crise. Não, o que distingue Mallu de todo o resto da boiada é seu incessante e espontâneo potencial criativo – combinado, é claro, com nossa desesperada necessidade por um pouco de alegria infantil nesse cotidiano cada vez mais cinza e violento.

Mas a menina está crescendo. Prestes a fazer seus dezoito anos, seria perigosamente fácil para sua carreira insistir na busca da ingenuidade infantil que marcou seus primeiros sucessos. Desacomodada, não foi o que Mallu fez. O novo show, que estreou nesta sexta-feira no auditório do Ibirapuera, em São Paulo, tenta apresentar uma cantora madura, com visual sóbrio e arranjos musicais refinados e muito bem ensaiados.

Nada das maquiagens berrantes e pinturas no rosto, os músicos entram no palco de terno escuro, dos quais Mallu se destacava com seu descolado vestido branco. Além do quarteto baixo-bateria-teclado-guitarra, um trio de sopros engrossa o caldo. Também um quarteto de cordas apareceu para executar “É você que tem”, acompanhado do violão de nylon de Mallu. Muy hermoso.

Mas a compositora ainda não é essa performer madura. Visivelmente nervosa, esquecia o set-list, criava microfonias ao trocar de violão perto dos microfones, pedia desculpas para o público. Seria desastroso se tudo isso não fosse usado a seu favor: Mallu abre o jogo, se diz tensa, revela não estar habituada às constantes trocas de instrumento, suspira e pede coragem a si mesma ao microfone. E é aplaudida sempre que faz isso.

Marcelo Camelo entra no palco para cantar duas canções, assim como a banda Jennifer Lo-Fi. São participações sóbrias, bem ensaiadas, nada parece sair script. Depois de saída de Camelo, Mallu enxuga algumas lágrimas e segue em frente. E sozinha, consegue preencher o palco todo. Canta com sua candura característica, mas também expulsa notas aos berros, revelando saber pescar emoções profundas.

O nervosismo e os problemas técnicos não atrapalharam o espetáculo. Ao contrário, era justamente isso que o público esperava. Nada mais contemporâneo, nada mais Geração Y: a carreira de Mallu se torna aos poucos nosso reality show. Não basta vê-la brilhar no palco, queremos ver todos seus acertos e tropeços no caminho. Mais um importante passo foi dado. Agora, ela vem com tudo.

Alexandre Lucchese é jornalista e pode ser lido no blog Os Estrangeiros

O ILUMINADO

quinta-feira, 18 de março de 2010

NOÉ AE?!: Zé Cafofinho e Suas Correntes

TINHA QUE SER O CHÁVEZ



#agência pirata
Comentário de leitor vira pretexto para controle da web na Venezuela

txt: Alec Duarte

A censura cibernética, com um batalhão de “espiões” que perscrutam a web e eliminam ou bloqueiam conteúdo indesejado (como ocorre na China e no Irã), não parece ser suficiente para ameaçar a liberdade na internet.

Na Venezuela, país há muito afastado dos princípios democráticos, um comentário de leitor num portal de notícias foi usado como pretexto para a criação de uma comissão para controlar a web.

“Os meios de comunicação devem contribuir para a formação do cidadão e paz pública” é o trecho da Constituição citado pela Câmara para justificar a decisão.

O pepino foi a publicação da (falsa) informação da morte do ministro de Obras Públicas e Habitação, Diosdado Cabello, e do apresentador de TV Mario Silva. Tudo numa caixa de comentários que, algum tempo depois, foi moderada _a mensagem foi excluída, e seu autor suspenso permanentemente.

Subjetiva, a decisão do Parlamento fala em “punir quem não cumpra a lei”, e pede que se investigue os sites que usem de forma “indevida e antiética” a web.

Mais um passo para ameaçar a liberdade de expressão.

quarta-feira, 17 de março de 2010

MAQUINADO




#uirapuru2010
Mundialmente Anônimo

txt: Ramiro Zwetsch

Misturar, confundir e transformar é preciso. A feijoada, a tropicália, o afrobeat, o gol de bicicleta, o Kraftwerk, o Mané Garrincha, o Moacir Santos, o Moebius, o cachorro vira-lata, “Pulp Fiction” e milhares de outras maravilhas do mundo estão aí pra desfazer qualquer dúvida. O Maquinado é mistura, confusão, transformação. O projeto de Lúcio Maia, guitarrista da Nação Zumbi, era de um jeito nos primeiros shows (com três guitarras, baixo e bateria na banda), apareceu bem diferente no disco de estreia “Homem Binário” (cheio de batidas eletrônicas e participações, principalmente nos vocais), mudou outra vez sua formação de palco (para guitarra, baixo, percussão e toca-discos) e surge novamente transformado em “Mundialmente Anônimo” – o segundo e novo disco.

Considerado um dos melhores guitarristas de sua geração, Lúcio fez um primeiro disco mais voltado para sua vocação como produtor. Havia guitarras, claro. Mas elas não uivavam com a mesma tensão de “Mundialmente Anônimo”. O peso e a distorção das seis cordas permeiam o disco, aliviam em algumas faixas e explodem na última – “SP”, um clique preciso da babilônia paulistana em dias de caos.

Lúcio também está mais à vontade como cantor e já apresenta uma identidade vocal mais definida. Neste disco, ele é o vocalista em sete das oito faixas cantadas – as rimas que gingam no rap “Tropeços Tropicais” são cortesia de Lurdez da Luz (Mamelo Sound System). Duas são instrumentais: além de “SP”, a letárgica “Um Recado Para o Lucas Extensivo ao Pio” – essa estabelece um criativo telefone sem fio com “Um Recado Para o Lúcio Maia” (de Pio Lobato) e “Um Recado Para o Pio Lobato” (de Lucas Santtana). O melhor jeito de cantar já aparecia em uma das faixas de destaques de “Homem Binário” – a cinematográfica “Sem Conserto” – e agora se intensifica nas climáticas “Bem-vinda ao Inferno”, “Girando Com o Sol”, “Pode Dormir” e “Provando a Sanidade”.

Mas nem tudo é transformação: “Mundialmente Anônimo” segue fiel à essência do Maquinado, de liquidificar várias referências – do rock ao hip hop, do dub aos ritmos brasileiros, das batidas afro-caribenhas à vanguarda eletrônica – sem soar desconexo ou descontínuo. Do cancioneiro verde e amarelo, o repertório pinça versões para Jorge Ben (“Zumbi”, o abre-alas do disco) e Mundo Livre S/A (“Super-homem Plus”) – ambas profundamente modificadas.

Se fosse um personagem, o Maquinado seria uma mistura de Ranxerox (um frankstein pop criado pelos quadrinistas italianos Tanino Liberatore e Stefano Tamburini, bem pra lá da beira do ataque de nervos) com os protagonistas soturnos e melancólicos dos filmes do chinês Won Kar Wai – uma amálgama viva de humores e temperamentos. Na boa música brasileira contemporânea, quase todo mundo é meio assim.

terça-feira, 16 de março de 2010

ISRAEL VIBRATION e GROUNDATION



#conection
... e a noite que não acabou

txt, vds n phts: Gustavo Pereira

Era passado das 22hs da noite de 10 de Março de 2010, data e hora esta marcada para a apresentação, até então sem grandes murmurinhos dos veículos de mídia provincianos, da banda californiana Groundation, que faria sua quarta passagem pela capital Gaúcha. Contudo, desta vez eles seriam colocados no posto de coadjuvantes de luxo para quem estaria prestes a se apresentar depois.

assista video


A noite começava calma e silenciosa rumo ao local onde ocorreria o espetáculo. Para quem conhece a capital sabe que a linha T5 corta de forma contundente as grandes avenidas de Porto Alegre, fazendo o trajeto Praia de Belas - Aeroporto. Logo não foi difícil avistar outros simpatizantes do Raggae Roots ou Raggae Raiz, como queiram, se apinharem no veículo ao longo do trajeto.



Conversas vazavam lentamente, uns risos, alguns olhos marejados, conhecidos que se encontravam e se cumprimentavam enquanto reviraram os bolsos com uma freqüência que revelaria facilmente comportamento compulsivo em busca da certeza de ter pegado em casa os ingressos, os documentos, o isqueiro e o que mais eu nem sei, afinal a seca já perdurava alguns meses na grande cidade e cercanias.



Seria uma noite de redenção, boa música e algum tapa, se não fosse pelo ar pesado e tenso que costuma sempre rondar shows como estes. Mas eis que ao desembarcar no fim da linha, todos que se puseram à espera de um plano mirabolante bolado pelas unidades de inteligência das forças armadas da república, se surpreenderam ao ver todas as ruas ao redor vazias, desabitadas, abandonadas, sem os temíveis reflexos dos giroflex que emitem as combinações de azul e vermelho, cores estas que todos sabem, não costumam andar juntas por aqui.

Tudo se desenhava de forma incrivelmente liberal, era a Jamaica sendo trazida como cenário para o show do Israel Vibration que garantiria quase duas horas de uma apresentação incrivelmente fantástica e som impecável. Alguns poucos seguranças faziam uma revista superficial nos expectadores que entravam no local sorrindo, tirando o pouco flagrante que lhes restava nos esconderijos que havia sido preparado com habilidade de um fugitivo para aquela noite.



Groundation fez sua apresentação para um público enérgico que respondeu prontamente aos sucessos que já são relativamente conhecidos por estas bandas do mundo, mostrando que aqui também se curte e se faz Raggae de qualidade. O palco então escureceu, tudo estava sendo preparado para a principal atração da noite, o Israel Vibration. Quando o Roots Radics subiu ao palco trazendo o instrumental hipnótico de Warm Up, o Pepsi On stage se transformava em Hiroshima, formando um cogumelo gigante de fumaça sob o centro da pista.

Era o início de uma noite que se tornaria inesquecível para um público de cerca de 3 mil expectadores que se deixava levar, embalados pela banda que por muitos anos ostentou o título de número 1 do Raggae mundial. Skelly e Wiss sabem realmente como fazer Raggae Roots e contagiar a multidão.



O fim disto tudo pouco importa, pois a música rolava solta, o cenário estava montado e a feira de acari estava aberta. Era cerveja sendo trocado por seda, isqueiro trocado por mercadoria, mercadoria sendo dividida por grupos desconhecidos que na melhor vibe da irmandade reguera que estava junta naquela noite de 10 de março de 2010 para celebrar um show que para os presentes, se tornou difícil de esquecer.

assista video

segunda-feira, 15 de março de 2010

DJ CREMOSO



#conection
"Eu faço remix há poucas semanas"

ntrvst: Tiago Jucá Oliveira
clbrç: Ramiro Furquim

Porque Cremoso? É apelido de antes ou é uma referência a cremosidade musical de seus remixes?

É um pouco de tudo isso. Eu pensei muito em uma palavra pra definir o conceito dos remixes e a única coisa mais próxima foi justamente "cremosa".

Pois é, quando ouvi seu som, também notei a cremosidade.

Mas não é uma expressão que eu tenha inventado. Já ouvi outras pessoas usando essa palavra pra alguma coisa agradável mas que não era alimento.

Seus remixes não devem ser bem vistos pelos defensores do copyright. Você tem medo de represálias da indústria cultural?

Não. O máximo que pode acontecer é que eu tenha que tirar do ar. Mas como já foram baixados mais de 40 mil vezes, eu imagino que as pessoas se encarregarão de passar umas às outras. Se eu fosse um dis artistas remixados eu até iria gostar de saber que a ignorância musical e a inclusão digital resultaram em um remix da minha música.

A gente concorda com você. Você faz remix desde quando? Como foi o interesse por tecnologias de recriação musical?

Eu faço remix há poucas semanas. O primeiro remix que eu fiz na vida foi já o de In Bloom. E o interesse foi uma coisa natural, já que era a única maneira de eu conseguir fazer uma música. Eu não toco nada, mas sei colocar as notas com o mouse no programa. Eu realmente inventei (?) uma fórmula no primeiro remix e repito em todos os outros. Os instrumentos são exatamente os mesmos. Eu sequer mudo os volumes.

Poucas semanas? Cacildiz!

É. Vai fazer um mês ainda.

E ta ficando legal. Tem A-Ha, Nirvana, Michael Jackson, Amy Winewouse, etc. Esses artistas é realmente o que você ouve e gosta?

Amy Winehouse eu conhecia mas não gostava muito. Lady Gaga eu nunca tinha ouvido na vida. Eu sou mais velho. Então eu gosto mais das coisas mais velhas. Mas gostei de remixar músicas que eu não gostava ou que não conhecia. A de Lady Gaga tinha que virar tecnobrega de qualquer jeito.

Qual sua idade?

Eu tenho 40 anos. Aliás, completo 40 esse ano.

Há uns 3 anos O DILÚVIO passou a ouvir e acompanhar a música paraense atual com mais sensibilidade. O panorama de remix e tecnobregas é amplo, né?

É culpa da inclusão digital. Qualquer pessoa é capaz de fazer uma música hoje. O outro lado da moeda é que são pessoas que só sabem apertar botões e clicar com o mouse. Acho que a revolução do tecnobrega só aconteceu porque as pessoas usaram as ferramentas de uma maneira que pessoas com instrução musical nunca usariam.

E na sua visão, ainda há preconceito em relação ao tecnobrega?

Há sim. E acho que não vai acabar nunca. Porque há um limite de qualidade que um produto pode atingir quando é feito por pessoas sem instrução musical e no quarto de casa. E também há o duplo sentido cada vez mais explícito nas letras.

Chegou pergunta do twitter feita pelo @outroangulo: Quem não é DJ pra ti?


Isso é complicado. Mas se você mal sabe apertar o play, fica esperando uma música terminar pra colocar a outra, deixa o som parar no meio do set, não doutrina as pessoas com músicas novas ou com clássicos ou soa como um iPod no shuffle, então você não é DJ. Eu não sou DJ. Não sei tocar numa festa. Só me chamam assim porque eu produzo as bases do brega.

Você faz o que nas 'horas vagas' do DJ Cremoso?

Eu pesquiso músicas. E bebo. Os melhores remixes eu imaginei bêbado. Outros remixes estavam travados, aí eu tomei uma e tudo se resolveu.

Cremoso, obrigado por nos atender!

O prazer foi meu.

Baixe aqui > os 13 remix feitos por DJ CREMOSO

NOÉ AE!?: Maquinado

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS




#mandachuva

da estação Retiro para as telas do mundo

txt: Tiago Jucá Oliveira
phts e vd: Melissa Orsi dos Santos


Fim-de-semana de eleição é uma das melhores coisas que há. A melhor pedida é viajar, de preferência pra algum país vizinho, e assim fugir da farsa eleitoral. Numa dessas datas, fomos pra Buenos Aires nos alienar com cultura, gastronomia, história e arquitetura. Até um clássico entre Racing versus San Lorenzo, en El Cilindro, eu fui assistir com La Guardia Imperial. Ganhamos de 2x1.

Antes disso, resolvemos dar um pulo de trem em Tigre, ciudad vizinha a capital platina. No trilhar de volta a Buenos Aires, descemos na Estação Retiro no exacto momento de um set cinematográfico. Sem saber do que tratava a fita, e mesmo se soubesse, provavelmente seria um filme, ou clipe, ou novela ou comercial que jamais passaria no Brasil.

Então passamos a filmar e fotografar, sem demais intenções. Não colhemos muito material, não: meia penca de fotos e três pequenos vídeos, e apenas o trecho abaixo tem registro de uma ação. É o momento da cena em que os personagens Bejamin Espósito (Ricardo Darín) e Ricardo Morales (Pablo Rago) se encontram na estação. A produtora do filme já tinha chamado nossa atenção duas vezes pra gente não filmar. Na terceira vez ela vem agressiva, desesperada e impaciente, com a mão no censurar da câmera: "baje la cámara, por favor, te lo pido!"



Um ano e meio depois, "O Segredo dos Seus Olhos" é o vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro. E a notícia na televisão exibe justamente aquela cena da Estação. "Eu conheço esse lugar!". Gostaria que você, leitora ou leitor ou gaytor, esquecesse todo o enrolation inicial que fiz até chegar aqui pra lhe dizer: o filme é lindo, é emocionante, é engraçado, é tenso, é imprevisível. Poderia argumentar sobre o desenrolar do enredo, mas "te mo" contar o fim.

Saí chocado do cinema. Quando deitei as ideias no travesseiro, Thoreau desobedeceu o sono. Em "A Desobediência Civil", ele perguntava se devemos obedecer a determinada lei que consideramos injusta ou a nossa própria consciência. Perguntei parecido, só pra mim, mas agora pra você também: e quando a lei não cumpre o que diz, devemos fazer justiça com as próprias mãos? E devemos omitir nosso testemunho diante da vingança de terceiros?

Ainda não sei qual daqueles três pares de olhos é o mais cruel. Sei, e somente sei, que evitei o olhar do espelho antes de dormir. Há alguns segredos nesse objeto que prefiro não ver.

sábado, 13 de março de 2010

E A SECA TERMINOU

#escrituras marginais
Um anjo caiu da boca

txt: Arlei Arnt e Monsenhor Jacá

A capital vive uma profunda seca no ramo do agronegócio, comum nesta época do ano. Porém, ah porém, esta semana a chuva chegou. Anjo, conhecido no submundo do vai-e-vem, pegou 42 megabytes de um arquivo raro na cidade. O bagulho já tem até apelido: Oasis.

Anjo está nervoso, o forévis apertando. Acostumado com sua micro-empresa, fez um download pesado. Como a capital só tem arquivo corrompido, ele resolveu ser o patrão do hacker que tava em férias no Rio de Janeiro. Achou o arquivo, baixou, e levou ao posto de inconveniências 24h do morro mais agitado da cidade.

Vendeu tudo de uma vez. Fez um baita negócio. Mas tudo tem seu preço. Agora Anjo tem medo. E vai demorar a sossegar, pois sabe que a fama persegue quem procura se esconder. Que a ganância não domine sua cabeça. "Preste atenção", dizia Cartola, "o mundo é um moinho".

Apesar do alerta, nosso obrigado. O computador está bem melhor. Tudo flui!

sexta-feira, 12 de março de 2010

GLAUCO: RIR PRA NÃO CHORAR














ENVERNIZADO

blog O DILÚVIO de cara nova

Quando você nos lê, uma sensação ótima conta da redação. Temos uma enorme satisfaction atrair seu olhar até aqui. E pra facilitar esse olhar, pra melhorar sua leitura, pra dinamizar sua navegação, levamos o blog pra revisation.

Apesar da satisfaction, tem que ter rebolation pra manter tudo isso aqui certinho. Muitas horas mexendo na fita e roendo osso, e mesmo assim ainda haverá pequenos ajustes e correções, pois o sono já não permite terminar no cantar do galo e despertar do sol. As nuvens foram pro espaço, então não nos mande pra lá também.

Opine, critique, dê sugestão, aponte erros. Os meios e ferramentas para interagir estão mais ágeis e acessíveis. O visual tá mais caprichoso pra ter seu retorno mais garantido. Mas não esqueça: é pensando em você que todo dia chovemos novidades em sua telha. "A seca terminou, fez transbordar um dilúvio de felicidade"

NOÉ AE!?: DJ Dolores e DJ Guga de Castro

quinta-feira, 11 de março de 2010

quarta-feira, 10 de março de 2010

NOÉ AE!?: Frank Jorge

NANDO REIS



#noé ae?!
Apesar de tudo, um grande show

txt: Alexandre Lucchese
phts: Louyse


Nando Reis está 42 minutos atrasado. O inconfundível calor do Opinião não deixa dúvida: a casa está lotada. Algumas vaias começam a soar. Esta é a primeira das duas noites em que o ex-titã se apresentará em Porto Alegre. A segunda noite não estava programada de início, foi conseqüência da avidez com que os porto-alegrenses se atiraram atrás dos tickets amarelos que davam acesso ao espetáculo.

A lona branca diante do palco, espécie de cortina que serve de anteparo para projeções de vídeo, levanta-se vagarosamente. Um roadie entra ao som de vaias e afina o violão vermelho com apressada perfeição. Era o último preparativo para mais um triunfo ruivo na capital: um show positivamente inesquecível, mas que mesmo assim frustrou as expectativas de uma grande temporada para 2010 no Opinião.

Nando entra no palco com uma camisa jeans azul sem mangas e um gorro vermelho – desses que o João Bosco também tem a audácia de usar diante do público. Pelo sorriso e energia, logo se vê que está preparada para fazer uma grande noite. Mas o show começa morno, a não ser para os fãs ortodoxos, aqueles que seguem onde vão os pés do artista, compram tudo, baixam tudo, decoram as letras e as cantam no show com o amor devoto do torcedor no estádio em dia de final. E eles estavam lá em grande número.

As músicas de Drês, álbum mais recente, não empolgam a maioria da audiência. Não que as canções sejam fracas, talvez até sejam, mas o certo é que não dava para tecer juízo algum a esse respeito devido à péssima qualidade do som. Baixo, bateria, violão, guitarra, teclados e vocais: tudo vinha embolado, era preciso bastante esforço para distinguir um insturmento do outro, e até mesmo quando a música parava era difícil entender o que Nando falava ao microfone.



Me divirto olhando a projeção em vídeo no fundo do palco. Eram imagens editadas em estilo videoclípico, cada canção com uma projeção diferente. Muy lindo.

É com All Star que o show começa a decolar. Cultuada por diversas gerações de fãs, a música transforma o Opinião em um grande coro pela primeira vez na noite – e viriam muitas outras. All Star ainda termina com um solo matador do baixista Felipe Cambraia, figura que surpreende ao pilotar com hábil destreza os graves d’Os Infernais tocando com os dedos indicador e médio da mão direita ao mesmo tempo em que fuma um cigarro preso entre o anelar e o mindinho da mesma. Showman.

O coro se mantém intacto em muitas outras canções: Não vou me adaptar, Relicário, Luz dos Olhos... O entrosamento entre os músicos é crescente, e a energia flui intensa. Em O segundo Sol, Nando delega o violão a um roadie e, de microfone na mão, se movimenta como um xamã enlouquecido. Corre, pula, chupa o dedinho fingindo sexo oral, ameaça piruetas, instiga o público a cantar. E também rebola com as mãos nas cadeiras e piscando os olhinhos tal qual uma Carmem Miranda.

Um amigo diz que tenho trejeitos parecidos. Argumento que o cantor está encarnando a pequena notável. Ele diz que eu faria o mesmo se estivesse no palco. Agradeço a Deus por meu pai não estar ouvindo essa conversa.

O bis foi um show à parte. No melhor estilo crooner, Nando bota a casa pra dançar com Frevo Mulher (Zé Ramalho), Whisky a go go (Roupa Nova), Marvin e Do seu lado. Ele sai do palco com a camisa lavada em suor, gotejando a cada passo.

Mas não é só a camisa sem mangas da estrela da noite que sai com odores comprometidos. As nossas também. Foi ilusão pensar que a reabertura do Opinião seria mercada por melhorias no ar condicionado. E foi ilusão ainda maior pensar que o som estaria melhor. Como disse antes: tudo vem embolado, e a voz fica comprometida. Violão e baixo ficavam discretíssimos. Os sons mais estridentes ganhavam destaque, como o da guitarra, que ainda assim formava um timbre duvidoso.

As composições conhecidas de Nando Reis, cantadas em coro, bem como sua performance e de sua banda salvaram a noite. E que noite! Para o Opinião, sem dúvida, foi um ótimo início de temporada, embora não por próprios méritos. A casa ainda depende de um cantor extrovertido e com um grande leque de sucessos decorados pelo público para fazer um grande show. A música continua em segundo plano. E a gente sabe que Porto Alegre merece muito mais que isso.

*Alexandre Lucchese é escritor e jornalista e pode ser apedrejado em A Primeira Pedra

#ALGUNS DIREITOS RESERVADOS

Você pode:

  • Remixar — criar obras derivadas.

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  • AtribuiçãoVocê deve creditar a obra da forma especificada pelo autor ou licenciante (mas não de maneira que sugira que estes concedem qualquer aval a você ou ao seu uso da obra).

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Ficando claro que:

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